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ORIENTE-SE
O
UM NOVO PARADIGMA
INTERNACIONAL
Luiz Felipe Lampreia
Presidente do Conselho Empresarial de Relações
Internacionais, foi ministro das Relações Exteriores
Já foram feitas análises pertinentes e, geralmente,
desiludidas sobre as conclusões a tirar para o Brasil do
término dos cinco anos de negociação do Acordo de
Parceria Transpacífica (TPP, na sigla em inglês). Existem
fortes implicações negativas para o Brasil, no que
tange a comércio e investimentos. Basta lembrar que
três países latino-americanos (México, Peru e Chile) já
integram o TPP, e a Colômbia considera aderir, sendo
todos países com os quais o Mercosul tem acordos
comerciais limitados, e o acordo se sobreporá a eles. Mas
não é o caso de retomar aqui estes aspectos da questão.
Pretendo apenas examinar o tratado por outro prisma.
O ambicioso acordo entre 12 países cobrirá 40% da
economia global e promoverá a eliminação ou redução
gradual de milhares de tarifas e barreiras ao comércio
entre os membros. Por outra parte, tornará mais
homogêneos entre eles os padrões regulatórios sobre
temas tão diversos quanto propriedade intelectual,
serviços, direitos trabalhistas, normas ambientais e
mecanismos para resolver conflitos de investidores
com os estados. Até mesmo as impenetráveis fortalezas
protecionistas agrícolas dos países desenvolvidos serão
afetadas pelos ventos liberalizantes do acordo, ainda que
não se tenha estabelecido um verdadeiro livre comércio
nessa área-chave. Em suma, o TPP vai muito além dos
dispositivos da Organização Mundial do Comércio.
Sua implementação será, por certo, cheia de matizes
e resistências de interesses deslocados. Mas o novo
acordo terá uma implementação desafiante em muitos
casos. Entretanto, há outros aspectos críticos que só os
especialistas detectaram até agora. Vale abordá-los aqui.
Em primeiro lugar, o TPP não inclui a China, hoje o maior
player do comércio internacional e, obviamente, parte do
âmbito geográfico do acordo. Isto significa que o acordo
se transformou em ponto saliente da rivalidade sino-
americana na Ásia. O governo chinês teve até uma reação
discreta, mas não ignorará que o TPP representa uma
derrota para a visão e a influência chinesa no Pacífico.
Pequim tem apresentado suas próprias propostas de
acordos bilaterais, em particular ao vizinho (e rival) Japão,
mas ficou muito atrás dos Estados Unidos, que lideraram
enfaticamente a negociação do acordo entre os 12
países. Como afirmou em recente artigo a analista Myreia
Solis, do Brookings Institute, de Washington, “no centro
da grande estratégia americana está a modernização da
arquitetura internacional para adaptá-la às realidades
do século XXI e consolidar o papel central dos Estados
Unidos como (a maior) potência do Pacífico”.
Outra questão importante é que, no campo de integração
produtiva, se encontra hoje a variável crítica do comércio
internacional, e o TPP tem precisamente o objetivo
básico de ampliar e facilitar o espaço para a criação
e expansão de cadeias produtivas entre os países-
membros. É patente que isto reduz ou exclui virtualmente
as chances de outros países entrarem neste círculo, a
menos que decidam aderir ao TPP, como deve ser o caso
de Coreia do Sul, Colômbia e talvez Indonésia. A OMC
não teve êxito nesses campos, embora já contivesse a
intenção de fazê-lo em seus documentos originais.
Finalmente, deve-se ter em conta que a aprovação pelos
negociadores dos 12 países não é ainda o ponto final
do processo. Falta ainda a aprovação dos parlamentos
de cada um. No particular, o governo americano terá
pela frente uma difícil batalha pela aprovação do
Congresso, no prazo de 90 dias, como comprovado
pelas declarações contrárias de políticos tão diversos
quanto Hillary Clinton e Donald Trump. Obama já havia
conseguido recentemente um feito notável, eliminando
a possibilidade de emendas pelos parlamentares na
consideração de acordos de comércio, o chamado
fast
track
. Em outras palavras, ao contrário do que vigorava
há muitos anos, a discussão é limitada agora à aprovação
ou rejeição global de um acordo comercial, o que é
politicamente bem mais manejável do que uma discussão
em muitos planos. Não tenho dúvidas que o acordo será
finalmente aprovado pelos congressos dos 12 países.
Sempre podem ser identificadas dificuldades e dúvidas
sobre sua implementação, mas penso que o TPP veio
para ficar e vai estabelecer um novo paradigma na área.
Parceria Transpacífica não inclui a China. Isto significa que o acordo se transformou
em ponto saliente da rivalidade sino-americana na Ásia
Artigo publicado no jornal O Globo em 14 de outubro de 2015.
INFORME CIN | NOVEMBRO DE 2015