Rafael Cal
vende-se uma geladeira azul
Núcleo de
Dramaturgia/2014
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JOÃO
Não, espera, não desviem o assunto. Estamos falando da geladeira. Não sou viciado
em drogas. Não mais que vocês.
BERNARDO
Espera lá...
JOÃO
Café, uisquinho, remedinho pra dormir, remedinho pra acordar, cigarrinho escon-
dido. Todo mundo se desestressa de algum jeito. Tenho que pagar contas. Muitas,
como qualquer pessoa. E minha vida não é como a de vocês. Ganho pouco, às
vezes, gasto mais.
ANNA
Não precisa se aborrecer.
JOÃO
Preciso. Porque é o seguinte: eu esperava ficar com alguma coisa dessa desgraça
toda. Vim aqui achando que fosse rolar alguma coisa. Só que só tem essa merda de
geladeira. Só uma geladeira. Uma geladeira velha. E, apesar de eu achar que mere-
ço mais, pra gente não ficar aqui eternamente, essa merda dessa geladeira é pra ser
dividida em três partes. Vender e dividir. Dane-se se você vai usar sua parte pra doar
pro Médicos Sem Fronteiras, se vai comprar vestidos, pagar um animador vestido
de palhaço ou tomar champanhe na Torre Eiffel. Não é da minha conta. Eu só quero
me livrar dessa merda dessa geladeira, dessa merda desse dia, ir embora daqui.
Silêncio.
JOÃO
Eu odeio essa casa.
CENA 8
Passado. As três crianças estão em cena outra vez.
Anna e Bernardo brincam no quintal.
João passa com uma trouxa de coisas. Está fugindo de casa.
ANNA
Ei! João!
BERNARDO
Aonde você vai?
ANNA
É, pra onde cê tá indo?
JOÃO
Vou embora.
ANNA
Oi?
BERNARDO
Que história é essa?
JOÃO
É, vou embora.
ANNA
Por quê?