Rafael Cal
vende-se uma geladeira azul
Núcleo de
Dramaturgia/2014
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E pra que você quer algum resto do passado? Pra que resto daquelamaldita infância?
JOÃO
Que infância maldita? A gente foi feliz aqui.
BERNARDO
A gente quem? Eu vivia aqui com você me tomando tudo, todos os espaços, todas
as coisas, todo o tempo da vovó.
Bernardo começa a chorar.
JOÃO
Eu não quero vender a geladeira.
BERNARDO
Eu tenho o direito de me livrar do meu passado.
JOÃO
Mas não tem o direito de me livrar do meu.
BERNARDO
Eu não quero nada que me lembre da minha infância, cara.
JOÃO
Eu sei. Inclusive eu e a Anna. Ou a vovó.
BERNARDO
Se eu não vejo vocês é porque a minha vida é cheia. Eu tenho uma família.
JOÃO
Você não vê a gente porque quer apagar tudo.
BERNARDO
Dane-se, isso não é da sua conta, não é da conta de ninguém, isso nem importa
aqui. Eu tenho direito de me livrar dela. Olha o que ela fez com a gente, olha como
a gente é.
JOÃO
Você não tá mais falando da geladeira, né?
BERNARDO
Não interessa mais. O que importa é que eu quero vender e quero ficar com o
dinheiro da venda.
ANNA
João, é um dinheiro bom, a gente quer vender.
JOÃO
É tudo pelo dinheiro?
ANNA
Sem romantizar, vai.
JOÃO
Se eu arrumasse o dinheiro e pagasse a parte de vocês, tava tudo certo?
BERNARDO
Você arrumando dinheiro? Por favor, né?
ANNA
Olha, a gente tinha decidido. Até você.
BERNARDO
Já tá feito. Eu não quero nem saber mais desse papo.