Rafael Cal
vende-se uma geladeira azul
Núcleo de
Dramaturgia/2014
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ANNA
Não vamos insistir nisso, tá?
JOÃO
Até você, Anna? Você também acha que foi tudo horrível? Que a gente tem que
jogar tudo fora?
ANNA
Importa?
JOÃO
Importa!
ANNA
João, a gente não é obrigado a gostar de ninguém. Nem da família. Bernardo pode
achar o que quiser. Pra mim, é indiferente tudo isso. Só quero resolver.
JOÃO
Você quer mesmo jogar tudo fora?
ANNA
João, é só uma geladeira azul velha. Que, felizmente, alguém quer comprar.
JOÃO
Não é só uma geladeira. Não é só uma geladeira.
ANNA
Você quer saber o que eu acho mesmo? Que, mais uma vez na sua vida, a gente
tá vendo um lindo discurso pra travestir a tua não ação. Foi ver a vó quantas vezes?
Ah, foi mais que a gente. Quanto? Uma vez? Duas? Três, no máximo. Quantas vezes
você veio aqui depois que se mudou? Não precisa me contar. A geladeira é, no fim
das contas, só uma geladeira, João. Diga você o que quiser dizer. Pode gritar, cho-
rar, reclamar e me xingar. Vai continuar sendo uma geladeira. Se a vovó queria bom
senso, talvez tenha confiado nas pessoas erradas. Sabe o que vai acontecer se você
levar a geladeira pra casa? Nada. Ferrugem. A ferrugem corrói, João. Corrói tudo.
CENA 11:
Epílogo
A geladeira, vendida, é levada por um carregador.
FIM